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18.7.09
As dificuldades de relacionamento e os problemas que ninguém comenta – mas frequentemente aparecem depois da adoção. As histórias de sucesso e fracasso, o que os especialistas aconselham e o que pode mudar com a lei aprovada pelo Senado
Confira a seguir um trecho dessa reportagem que pode ser lida na íntegra na edição da revista Época de 18/julho/2009.
Luiz, de 12 anos, chegou a uma das Varas da Infância de São Paulo apenas com uma mochila nas costas. Nenhum brinquedo, nenhum livro, nenhum CD. Além de trazer poucos pertences, o menino parecia triste. Bem triste. Estava ali para ser devolvido. Depois de cinco anos em uma família, a mãe que o adotou não o quis mais. “Foi devolvido como se fosse um saco de batatas”, disse a psicóloga da Vara da Infância, Mônica Barros Rezende, que acompanhou o caso. A alegação da mãe adotiva foi que ele não obedecia mais. “Não aguento mais. Ele desobedece, falta na escola”, teria dito ela. A intervenção do Conselho Tutelar não adiantou. O Judiciário propôs uma terapia familiar, mas a mãe não compareceu. O que fazer? Luiz voltou ao abrigo para viver a experiência de abandono. O segundo. Na família em que nasceu, o pai o espancava com um pau e foi preso por tráfico de drogas. A mãe, que também apanhava do marido, não lhe dava comida nem banho. Luiz foi parar em uma instituição aos 2 anos, depois de ser encontrado pela polícia sozinho, aos prantos, com fome e sujo. Como ele tinha uma avó, o Conselho Tutelar deu-lhe a tarefa de criá-lo, mas ela não conseguiu. Ao voltar ao abrigo, Luiz estava com hematomas e um braço quebrado. Ficou ali até ser adotado, aos 7 anos. O Judiciário avisou que o menino tinha problemas de anemia, raquitismo e arritmia do coração, e a mãe adotiva o levou ao médico inúmeras vezes. Tudo parecia bem. Mas, quando ele entrou na adolescência, a mãe adotiva teve dois netos e, segundo os técnicos que acompanharam o caso, ela passou a cuidar mais deles que de Luiz. “O meu primo nasceu, e minha mãe só cuida deles”, teria dito o menino.
Luiz, como os demais personagens desta reportagem, recebeu um nome fictício, mas sua história é dolorosamente real. Há muitos casos de adoção que terminam dessa forma, naquilo que os especialistas chamam de segundo abandono. Não deveria acontecer, mas acontece. Existe uma brecha na lei quando a situação é irreversível ou acontece antes de a adoção ser formalizada. Traumática, assustadora, a devolução é o caso extremo de um fenômeno pouco discutido: o lado B da adoção – os problemas inesperados, os conflitos. Por ser um tema muito delicado, fala-se pouco sobre os problemas que enfrentam as famílias adotivas. As angústias e dificuldades existem, são palpáveis e se forem amplamente discutidas podem evitar situações desastrosas para a família que adota e, principalmente, para a criança, que já sofreu um primeiro abandono, o da família biológica. “Aquele discurso de que adoção é um ato de amor é, no mínimo, ultrapassado. A adoção demanda um estudo da situação, um preparo muito especial para aquilo que as pessoas estão se dispondo a realizar”, afirma o juiz Reinaldo Cintra Torres de Carvalho, da Vara da Infância da Lapa, em São Paulo. A maior parte das adoções tem um final feliz, mas, para que o sonho não se torne um pesadelo, quem adota precisa conhecer melhor esse universo. “O sentimento pela criança adotada pode ser o mesmo de um filho biológico, mas a situação não é a mesma”, diz a psicanalista paulista Maria Luiza Assis Ghirardi, que estuda o assunto há 15 anos e publicou no ano passado, na Universidade de São Paulo, a tese Devolução de crianças e adolescentes adotivos sob a ótica psicanalítica: reedição de histórias de abandono. “O fato de uma criança ser adotiva traz especificidades. O fato de alguém não poder gerar um filho também tem suas especificidades que precisam ser aceitas.”


Perfil desejado x realidade
As exigências dos pais em busca de uma criança “ideal” adiam o sonho e o direito da criança real à espera de uma família nas instituições de acolhimento


Para um convívio melhor
Psicólogos apontam as principais razões da devolução e como evitar que os problemas usuais cheguem a esse ponto

PROBLEMAS

O QUE FAZER

Convivência
Após anos da adoção, os pais dizem que não é possível mais ficar com a criança por dificuldades de convivência. É muito comum isso acontecer quando os filhos chegam à adolescência e começam a testar os pais

Entender que a adoção é um ato irrevogável.
Os conflitos acontecem com pais biológicos ou adotantes, principalmente na puberdade. A criança adotada pode estar testando os pais se eles realmente a amam. É preciso falar com as crianças sobre suas dificuldades. E, se necessário, procurar a ajuda de um técnico judiciário ou um psicólogo

Altruísmo
O adotante tem um sentimento de bondade ao realizar a adoção. Pensa que pode “salvar” a criança de um meio em que ela se encontra, com uma boa educação, enfocando apenas as necessidades dela. O altruísmo pode esconder uma baixa autoestima de quem adota, e isso poderá influir no relacionamento com a criança
Entender que nenhuma criança a ser adotada será “salva”. Ela será uma integrante da família. Se os pais se sentem altruístas, terão dificuldade em colocar limites e a criança nunca vai corresponder a suas expectativas

Infertilidade
Casais que não podem gerar seus próprios filhos podem ter expectativas exageradas em relação às crianças adotadas. Dependendo de como a infertilidade é elaborada, ela terá um efeito sobre a criança. Ao mesmo tempo que a criança adotada vai oferecer a possibilidade de uma nova família, ela também será a lembrança de que eles não puderam ter filhos
Elaborar o luto da impossibilidade de ter filhos biológicos. Compreender que as idealizações tendem ao fracasso, uma vez que a criança nunca vai alcançar os exatos ideais colocados pelos pais. Seja ela biológica ou não

Origem
Alguns casais tentam apagar o passado da criança. Existem aqueles que querem mudar o nome da criança e esconder que ela sofreu abandono. Ou ainda aqueles que apontam os problemas como consequência de sua origem biológica, ao chamá-la por exemplo de “sangue ruim”
Contar sempre a verdade. O passado da criança pertence a ela. A sugestão para o nome é que os pais considerem o nome de origem e acrescentem o de sua preferência. E nunca culpar o comportamento da criança por aquilo que ela viveu anteriormente

Fantasia de devolução
A fantasia de devolução costuma surgir com o aumento dos conflitos vividos na relação com a criança. Permeia a relação adotiva como uma possibilidade. Mas é preciso reforçar que a devolução só é considerada no estágio de convivência, ou seja, antes da adoção. Ou quando traz danos irreversíveis à criança
Quando a fantasia de devolução se intensifica, é sinal de que a relação pais-filho apresenta dificuldades que necessitam ser compreendidas e trabalhadas, com a ajuda de psicólogos e assistentes sociais

Kátia Mello e Liuca Yonaha.
Colaboraram Martha Mendonça, Nádia Mariano e Rodrigo Turrer

Época
link do postPor anjoseguerreiros, às 18:57  comentar

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colaboradores: carmen e maria celia

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