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4.5.09

"Governo do Estado só me atrapalha"
Camilo da Silva Oliveira, 57, que dirige a escola Lúcia de Castro Bueno, em Taboão da Serra (Grande São Paulo) é formado em história pela USP e dirige a unidade há 22 anos. Ele conta que criou um currículo próprio, uma vez que a rede estadual não tinha algo semelhante, e não utiliza programas do governo como formação de professores, salas de informática ou atividades como feira de ciências.
Prestes a se aposentar, o diretor diz não ver "caminho" para a escola pública, que dependerá "de talentos isolados".
Abaixo, a entrevista feita com Oliveira na última quinta-feira, em que ele abordou como funciona seu colégio, primeiro da rede estadual paulista, mas apenas o 2.596º melhor do país (média 58,5, em 100 pontos). A Secretaria da Educação do governo José Serra (PSDB) não quis comentar as críticas.

FOLHA - Por que a escola teve a melhor nota da rede no Enem?
CAMILO DA SILVA OLIVEIRA - É um trabalho de 22 anos, que resistiu a sucessivas trocas de governo e de secretários.

FOLHA - No dia-a-dia, o que a sua escola tem de diferente?
OLIVEIRA - Um eixo pedagógico, o rol de conteúdos [currículo], uma sequência de conteúdos. Fui pesquisar, porque o Estado não tinha subsídio para isso. Pesquisei escolas particulares e vestibulares de ponta. O Estado nem desconfiava desse rol. E hoje, 20 anos depois, ainda nem desconfia [o currículo começou a ser implementado na rede estadual em 2008]. Cada governo tem um modismo. Por exemplo, se fala em escola de tempo integral quando a escola não consegue funcionar quatro horas diárias [excesso de aulas vagas]. Tem também o projeto de informática, uma bobagem. Se tenho 17 máquinas e 40 alunos, o que os outros 23 ficarão fazendo? Posso bolar um esquema para fora do período, mas sem achar que irá melhorar a qualidade de ensino.

FOLHA - O sr. então tem uma escola que não segue a rede.
OLIVEIRA - Aqui é uma escola maldita, que vai contra os modismos de cada secretário. Depois da Rose Neubauer [gestão Mario Covas], em que as escolas perdiam aulas para treinamento de professores em horário de serviço, veio um que nem sabe o que é rol de conteúdos [Gabriel Chalita, gestão Geraldo Alckmin]. A escola, que já não funcionava, ficava uma semana em feira de ciências ou excursões para zoológico. Melhora o ensino? Vi que era fria e tirei a escola disso. No governo Serra, temos o terceiro secretário em dois anos e meio. Se o meu projeto dependesse do governo, estaria esfacelado. A menina do Mackenzie [Maria Lúcia Marcondes Carvalho Vasconcelos, primeira secretária da gestão José Serra] era bem intencionada, mas não conseguiu nada. A segunda [Maria Helena Guimarães de Castro] eu respeito porque sabe que escola é avaliação. E sabe que para avaliar precisa de um rol de conteúdos. Mas teve problemas de gestão. Por exemplo, a prova de temporários era uma boa ideia. Mas a implementação foi péssima, sem preparo jurídico, o que melou o sistema. Ou seja, o governo não tem a menor ideia do que fazer com as escolas. Deveríamos nos preocupar com o que realmente interessa, que é a aprendizagem dos alunos. Depois se acerta a burocracia. Hoje, os diretores ficam mais preocupados com as atinhas, e o aluno não tem aula. É uma inversão. É triste, porque se é esse caos em São Paulo, imagina nos outros Estados. Nem as universidades conhecem a rede. Ganhei da Escola de Aplicação da USP [que ficou em 3.293º lugar no ranking nacional], por exemplo. E a esquerda até hoje acha que a democracia é o principal debate para a escola. Você pega o PT, eles estão discutindo eleição para diretor de escola. Uma bobagem. Deveria pegar os melhores quadros para dirigir a escola. Isso aqui não é sindicato. Estou me aposentando e não vejo caminho. A escola pública vai continuar dependendo de talentos isolados. O Estado só atrapalha. Aquelas que seguiram a linha, se esfacelaram.

FOLHA - O sr. sofre retaliações?
OLIVEIRA - Nenhuma. Conheço o ofício. Os pais sabem que essa escola funciona, daí vem o apoio. No começo, senti pressão. O supervisor vinha e falava: "Como não vai mandar os professores para formação?". Eu dizia: "Vou chamar a imprensa e explicar que os alunos vão ficar sem aulas." Eles desistiam de me pressionar. Mas era um sobressalto constante.

FOLHA - Como o sr. avalia o corpo docente da sua escola e da rede?
OLIVEIRA - Aqui o pessoal é qualificado. Gente da USP, PUC, do Mackenzie. É uma nata que gostou do trabalho. Aqui se consegue dar aula, raridade na rede. Foi uma seleção natural ao longo dos anos.

FOLHA - Quanto ganham seus professores?
OLIVEIRA - Os mais novatos, com cinco anos de experiência, uns R$ 1.700, a média do Estado. Eu sou um diretor de 30 anos, que vai se aposentar na casa dos R$ 3.000.

FOLHA - Há pesquisas que mostram que o salário da rede estadual paulista não é ruim. O sr. concorda?
OLIVEIRA - Em cidades do interior, o salário de professor é o maior da cidade. Mas o Estado deve atrair melhores quadros. O salário não é compatível.

FOLHA - Como o sr. avalia a estrutura física da sua escola?
OLIVEIRA - Não consigo uma reforma porque não participo das reuniõezinhas, não vou lá ficar bajulando. Eu percorria gabinete de deputado para pedir reforma. Desisti. É indigno para um diretor.

FOLHA - Qual a principal ação para melhorar o ensino público?
OLIVEIRA - Gerência. Precisa ser técnica, trabalhar currículo, diagnóstico. Até trazer gente da iniciativa privada. Ou colocar os diretores das melhores escolas na gestão do sistema.

FOLHA - O que o sr. acha do novo secretário, Paulo Renato Souza?
OLIVEIRA - Tenho simpatia pela trajetória dele. Mas ele se tornou político. O problema é saber se o objetivo dele é eleger o Serra presidente ou melhorar o ensino. Se ele chegou apenas com visão política, as escolas vão seguir esfaceladas, sem conteúdos. Ele vai ser mais um.

FÁBIO TAKAHASHI
DA REPORTAGEM LOCAL
Folha de São Paulo
link do postPor anjoseguerreiros, às 12:43  comentar

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colaboradores: carmen e maria celia

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