Nos sete anos e meio de internação de Alice, Rosely se divorciou, afastou-se dos amigos e só ficou longe da filha por dois dias em duas ocasiões
No dia em que completou 5 meses de vida, Alice foi levada às pressas para o pronto-socorro. Além de apresentar febre alta, a menina respirava com muita dificuldade. Da emergência, ela passou à unidade de terapia intensiva (UTI). No dia seguinte, estava entubada. Um mês depois, os médicos a submeteram a uma traqueostomia. No domingo retrasado, Alice completou 8 anos. O aniversário foi comemorado com bolo, presentes e Parabéns para Você. Entre os convidados, além de alguns parentes, havia médicos e enfermeiros – todos da equipe do hospital para onde Alice foi levada ainda bebê e de onde jamais saiu. Vítima de uma doença muscular, a garota perdeu todos os movimentos do corpo. Atualmente presa a um leito da unidade de terapia semi-intensiva, comunica-se apenas com o olhar. Ninguém entende melhor o que os olhos de Alice querem dizer do que a mãe, Rosely Prazeres de Maria – e é evidente a calma da menina quando ela está por perto. Aos 40 anos, Rosely vive em função da filha. Ao longo dos últimos oito anos, separou-se do marido, reduziu o ritmo de trabalho, afastou-se dos amigos. Em todo esse tempo, não teve um único namorado. Ficou longe de Alice por, no máximo, dois dias, em apenas duas ocasiões. Numa delas, ganhou uma viagem da empresa em que trabalha. "Foi um desastre. Morri de culpa", diz Rosely. "Chorei o tempo todo e telefonei para o hospital dez vezes por dia, sem exagero." Os afastamentos, se depender dela, nunca mais se repetirão.
As mães de UTI pertencem a um universo invisível para quem está só de passagem por um hospital. São aquelas mulheres que saem pela porta dos fundos das maternidades, sem o filho recém-nascido nos braços. Ou aquelas que,se vêem obrigadas a devolver suas crianças aos cuidados da medicina. De uma hora para outra, elas são arrancadas de seu cotidiano familiar. Planos são interrompidos. A vida é suspensa pelas ameaças permanentes que pairam sobre seus filhos. "Não bastasse toda essa situação, ainda convivem com a culpa. Inconscientemente, responsabilizam-se pelo fato de o filho não ter nascido saudável", diz a psicóloga Daniela de Almeida Andretto, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. "Com isso, isolam-se do mundo e, em muitos casos, até do marido." Entre as mães de UTI, o índice de divórcios é altíssimo. Chega a 30%, quando a criança fica internada até seis meses, e a 50%, quando a hospitalização chega a um ano. Acima desse período, 70% delas enfrentam a separação. Até bem pouco tempo atrás, a presença constante dessas mães nas UTIs seria inimaginável. Elas só podiam ficar em companhia dos filhos quinze minutos, três vezes por dia. "Como vários estudos vieram a comprovar que o contato com as mães faz bem às crianças, os hospitais passaram a incentivar a entrada delas nas unidades de terapia intensiva", diz o neuropediatra José Salomão Schwartzman. Crianças que passam uma hora por dia em contato com a mãe reagem com mais serenidade às intervenções médicas. Durante um exame, por exemplo, elas choram 80% menos e expressam 20% menos dor. Nessas situações, o risco de parada cardiorrespiratória durante o procedimento é quatro vezes menor. "Além disso, com a aproximação entre mãe e filho, a produção de leite materno aumenta, podendo até dobrar", diz a neonatologista Miriam Ricca, do Hospital e Maternidade São Luiz, na capital paulista. Diante de todos esses benefícios, nos últimos cinco anos, muitos hospitais não só acabaram com o limite de tempo para a visita materna como investiram numa infra-estrutura especial para as mães – salas de descanso, com televisão e banheiro privativo. Alguns já permitem, inclusive, que elas durmam em companhia das crianças.
Ter uma criança numa UTI é morrer um pouco. Dependendo da gravidade do problema, morre-se mais ou menos. "O despreparo para lidar com essa situação é sempre total", diz a psicóloga Daniela de Almeida Andretto. Segundo um levantamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, 44% das mães de prematuros hospitalizados sofrem de ansiedade e depressão – uma incidência duas vezes maior do que a registrada na população em geral. Não há dúvida de que a possibilidade de permanecer ao lado do filho, sem hora marcada para ir embora, ajuda a amenizar o sofrimento. Porque também é a única maneira de essas mulheres poderem exercer a sua maternidade.
Saúde - REVISTA VEJA - 23 de junho de 2007
As mães de UTI
Um olhar sobre as mulheres que abandonam tudo para acompanhar os filhos hospitalizados Adriana Dias Lopes
No dia em que completou 5 meses de vida, Alice foi levada às pressas para o pronto-socorro. Além de apresentar febre alta, a menina respirava com muita dificuldade. Da emergência, ela passou à unidade de terapia intensiva (UTI). No dia seguinte, estava entubada. Um mês depois, os médicos a submeteram a uma traqueostomia. No domingo retrasado, Alice completou 8 anos. O aniversário foi comemorado com bolo, presentes e Parabéns para Você. Entre os convidados, além de alguns parentes, havia médicos e enfermeiros – todos da equipe do hospital para onde Alice foi levada ainda bebê e de onde jamais saiu. Vítima de uma doença muscular, a garota perdeu todos os movimentos do corpo. Atualmente presa a um leito da unidade de terapia semi-intensiva, comunica-se apenas com o olhar. Ninguém entende melhor o que os olhos de Alice querem dizer do que a mãe, Rosely Prazeres de Maria – e é evidente a calma da menina quando ela está por perto. Aos 40 anos, Rosely vive em função da filha. Ao longo dos últimos oito anos, separou-se do marido, reduziu o ritmo de trabalho, afastou-se dos amigos. Em todo esse tempo, não teve um único namorado. Ficou longe de Alice por, no máximo, dois dias, em apenas duas ocasiões. Numa delas, ganhou uma viagem da empresa em que trabalha. "Foi um desastre. Morri de culpa", diz Rosely. "Chorei o tempo todo e telefonei para o hospital dez vezes por dia, sem exagero." Os afastamentos, se depender dela, nunca mais se repetirão.
As mães de UTI pertencem a um universo invisível para quem está só de passagem por um hospital. São aquelas mulheres que saem pela porta dos fundos das maternidades, sem o filho recém-nascido nos braços. Ou aquelas que,se vêem obrigadas a devolver suas crianças aos cuidados da medicina. De uma hora para outra, elas são arrancadas de seu cotidiano familiar. Planos são interrompidos. A vida é suspensa pelas ameaças permanentes que pairam sobre seus filhos. "Não bastasse toda essa situação, ainda convivem com a culpa. Inconscientemente, responsabilizam-se pelo fato de o filho não ter nascido saudável", diz a psicóloga Daniela de Almeida Andretto, da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo. "Com isso, isolam-se do mundo e, em muitos casos, até do marido." Entre as mães de UTI, o índice de divórcios é altíssimo. Chega a 30%, quando a criança fica internada até seis meses, e a 50%, quando a hospitalização chega a um ano. Acima desse período, 70% delas enfrentam a separação. Até bem pouco tempo atrás, a presença constante dessas mães nas UTIs seria inimaginável. Elas só podiam ficar em companhia dos filhos quinze minutos, três vezes por dia. "Como vários estudos vieram a comprovar que o contato com as mães faz bem às crianças, os hospitais passaram a incentivar a entrada delas nas unidades de terapia intensiva", diz o neuropediatra José Salomão Schwartzman. Crianças que passam uma hora por dia em contato com a mãe reagem com mais serenidade às intervenções médicas. Durante um exame, por exemplo, elas choram 80% menos e expressam 20% menos dor. Nessas situações, o risco de parada cardiorrespiratória durante o procedimento é quatro vezes menor. "Além disso, com a aproximação entre mãe e filho, a produção de leite materno aumenta, podendo até dobrar", diz a neonatologista Miriam Ricca, do Hospital e Maternidade São Luiz, na capital paulista. Diante de todos esses benefícios, nos últimos cinco anos, muitos hospitais não só acabaram com o limite de tempo para a visita materna como investiram numa infra-estrutura especial para as mães – salas de descanso, com televisão e banheiro privativo. Alguns já permitem, inclusive, que elas durmam em companhia das crianças.
Ter uma criança numa UTI é morrer um pouco. Dependendo da gravidade do problema, morre-se mais ou menos. "O despreparo para lidar com essa situação é sempre total", diz a psicóloga Daniela de Almeida Andretto. Segundo um levantamento da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, 44% das mães de prematuros hospitalizados sofrem de ansiedade e depressão – uma incidência duas vezes maior do que a registrada na população em geral. Não há dúvida de que a possibilidade de permanecer ao lado do filho, sem hora marcada para ir embora, ajuda a amenizar o sofrimento. Porque também é a única maneira de essas mulheres poderem exercer a sua maternidade.
Saúde - REVISTA VEJA - 23 de junho de 2007
As mães de UTI
Um olhar sobre as mulheres que abandonam tudo para acompanhar os filhos hospitalizados Adriana Dias Lopes
Veja algumas "delicadezas" necessárias à família na UTI
1. Dispor de uma sala de descanso para as mães com chá, água ou suco, torradas e biscoitos (especialmente em maternidades onde a mãe amamenta).
2. Se possível, servir lanches e refeições para as mães.
3. Permitir fotografias (feitas pelos pais ou pela equipe)
4. Permitir o livre acesso dos pais 24h.
5. Ter uma cadeira ao lado do berço.
6. Ter pelo menos um psicólogo no hospital.
7. Orientar os pais antes da primeira visita, apresentando a equipe pelo nome, e fornecendo informações em linguagem clara e de forma carinhosa sobre a criança, e um resumo simples sobre os equipamentos da UTI para não assustar os pais.
8. Permitir itens pessoais, desenho do irmão mais velho, ou uma foto, ou um santinho, observando as normas internas de higiene.
9. Na hora da chamada para entrar na UTI Neonatal, não se referir às mães e aos filhos como “RN de Maria”, e sim pelo nome do bebê ex: Mãe do Pedro, Ana ou Giovana.
10. Quando o quadro do bebê permitir, ensinar a mãe e o pai a realizar pequenas funções, ex: medir a temperatura, ou ainda se possível, trocar uma fralda.
11. Preparar os pais para cuidarem de seus filhos após a alta, certificando-se que eles compreenderam todas as instruções e cuidados.
12. Ter uma sala de consultas, onde o médico ou a equipe possa conversar com os pais com privacidade.
13. Saber que a equipe e os pais tornam-se uma "família de UTI", e valorizar esse relacionamento, lembrando que cada um tem olhares diferentes sobre a criança.
14. Respeitar sempre as esperanças dos pais, sabendo que todas as informações já foram passadas sobre o estado da criança, as condutas adotadas, e tudo de maneira clara e precisa.
15. Em situação de perda de um bebê, oferecer informação aos pais de maneira cuidadosa, tranqüila, clara, sem pressa, em ambiente preservado. Permitir que estes tenham contato físico com o bebê, se assim o quiserem. Se possível, oferecer apoio psicológico neste momento e garantir retaguarda em ambulatório de psicologia.
2. Se possível, servir lanches e refeições para as mães.
3. Permitir fotografias (feitas pelos pais ou pela equipe)
4. Permitir o livre acesso dos pais 24h.
5. Ter uma cadeira ao lado do berço.
6. Ter pelo menos um psicólogo no hospital.
7. Orientar os pais antes da primeira visita, apresentando a equipe pelo nome, e fornecendo informações em linguagem clara e de forma carinhosa sobre a criança, e um resumo simples sobre os equipamentos da UTI para não assustar os pais.
8. Permitir itens pessoais, desenho do irmão mais velho, ou uma foto, ou um santinho, observando as normas internas de higiene.
9. Na hora da chamada para entrar na UTI Neonatal, não se referir às mães e aos filhos como “RN de Maria”, e sim pelo nome do bebê ex: Mãe do Pedro, Ana ou Giovana.
10. Quando o quadro do bebê permitir, ensinar a mãe e o pai a realizar pequenas funções, ex: medir a temperatura, ou ainda se possível, trocar uma fralda.
11. Preparar os pais para cuidarem de seus filhos após a alta, certificando-se que eles compreenderam todas as instruções e cuidados.
12. Ter uma sala de consultas, onde o médico ou a equipe possa conversar com os pais com privacidade.
13. Saber que a equipe e os pais tornam-se uma "família de UTI", e valorizar esse relacionamento, lembrando que cada um tem olhares diferentes sobre a criança.
14. Respeitar sempre as esperanças dos pais, sabendo que todas as informações já foram passadas sobre o estado da criança, as condutas adotadas, e tudo de maneira clara e precisa.
15. Em situação de perda de um bebê, oferecer informação aos pais de maneira cuidadosa, tranqüila, clara, sem pressa, em ambiente preservado. Permitir que estes tenham contato físico com o bebê, se assim o quiserem. Se possível, oferecer apoio psicológico neste momento e garantir retaguarda em ambulatório de psicologia.
Visite o Instituto Abrace: http://www.institutoabrace.org.br/mundodesofia_Home/delicadezas.asp
link do postPor anjoseguerreiros, às 20:38  comentar