RESUMO DA REPORTAGEM PUBLICADA NA REVISTA PIAUÍ
Chris Smith é um americano de meia-idade, roliço e afável, de bochechas rosadas ao primeiro contato com algum fiapo de sol, que vive viajando. . Há 28 anos ele bisbilhota in loco a condição dos direitos humanos de grupos mais vulneráveis a abusos. Deputado republicano por Nova Jersey desde 1981, ele é membro sênior da poderosa Comissão de Relações Exteriores do Congresso dos Estados Unidos. Também é tido como um dos parlamentares mais tenazes do Capitólio. Trabalho Trabalho infantil, prostituição forçada, extermínio de minorias e mazelas sociais de toda ordem o põem em marcha pelo mundo afora.
No final de janeiro, o senhor Smith se preparava para passar um fim-de-semana com a família, em sua casa de Hamilton, Eram dez da noite e ele assistia à televisão com Marie, sua mulher. Estava sintonizado no Dateline, da rede NBC, um dos mais renomados programas jornalísticos da tevê americana dedicada a grandes reportagens. Um dos temas daquela sexta-feira era o caso de David Goldman, o americano cuja esposa brasileira, a carioca Bruna Bianchi, fugira para o Brasil em 2004 com o filho do casal, Sean, de quatro anos. O documentário Fighting for Sean ("Lutando por Sean") contava a atividade desse pai para reaver seu filho único desde então (veja "Um Pai em Terra Estrangeira" piauí_26, novembro de 2008).
O programa da NBC recapitulava os fatos através da ótica de Goldman, e o novelo que desembocou numa fatalidade prendeu a atenção do parlamentar Smith: casada em segundas núpcias com o advogado brasileiro João Paulo Lins e Silva, a jovem mãe de Sean morreu de complicações de parto, em agosto passado. O menino, separado do pai biológico por força de sua remoção e retenção no Brasil, tornava-se órfão de mãe. Ainda assim, todas as tentativas judiciais do pai para levar o filho de volta para os Estados Unidos, como determina o Tratado Internacional de Haia, assinado pelo Brasil, emperraram nos tribunais estaduais fluminenses. O padrasto do menino obtivera do juiz titular da 2ª Vara de Família, Gerardo Carnevale Ney da Silva, a guarda provisória da criança na condição de "pai sócio-afetivo", e pleiteava a alteração do sobrenome do enteado de Goldman para Lins e Silva.
Com os créditos finais do programa ainda na tela, o congressista Chris Smith, pai de quatro filhos, decidiu que deveria se envolver no caso. Afinal, o menino Sean era um cidadão americano, nascido na mesma Nova Jersey.
Mark DeAngelis, responsável pela criação do site bringseanhome.org, recebeu uma mensagem de Mary Noonan, chefe de gabinete do deputado Smith. O congressista queria conhecer David Goldman e pediu que ele viesse a seu escritório já dali a dois dias, na tarde da segunda-feira. Goldman, não sabendo o que o esperava, foi ao encontro com sua advogada americana, Patrícia Apy, e o amigo Mark. Ao ser informado de que o pai de Sean fora convocado para uma audiência no Superior Tribunal de Justiça, o STJ, em Brasília, marcada para aquela semana, Chris Smith se ofereceu para acompanhá-lo. "Fiquei maravilhado", contou Goldman mais tarde, "pois ele tomou essa decisão em menos de dez minutos de conversa".
Goldman já havia vindo antes ao Brasil sete vezes, sempre para tomar pé no cipoal jurídico que atravanca o retorno de Sean uma vez com a mãe, duas com um primo e as quatro restantes, sozinho. Em todas elas, voltou de mãos vazias.
Na verdade, a tradução para o português é um tanto inadequada, uma vez que "sequestro", no Brasil, costuma dar a entender um ato violento, praticado mediante extorsão visando o lucro. O "sequestro" de que trata a convenção é basicamente o ato praticado por um genitor, que subtrai o filho da companhia do outro genitor. Quando uma criança é levada para fora de seu país de residência e mantida no outro país contra o consentimento do outro genitor configura-se, para a Convenção de Haia, o chamado sequestro internacional de criança que dá título ao tratado. . As partes litigantes podem, então, resolver a disputa nos tribunais em que a criança residia antes do ilícito.
A presença oficial de um membro da Comissão de Relações Exteriores do Congresso ao lado de David Goldman impulsionou o caso para outra esfera. No dia 29 de outubro passado, seis dias antes de ser eleito 44º presidente dos Estados Unidos, o então senador Barack Obama despachou o seguinte email para um amigo de Goldman:
Prezado Christopher [Rennau], ...na condição de pai de duas crianças, meu coração está com a família Goldman....Segundo informações da Divisão para Assuntos Envolvendo Crianças [Office of Children's Issues] do Departamento de Estado, e também da embaixada americana no Brasil, os Estados Unidos estão trabalhando em conjunto com a Autoridade Central Federal para o retorno de Sean, nos termos da Convenção de Haia... Esteja certo de que lembrarei de sua preocupação quanto à evolução deste caso... Peço que mantenha contato daqui pra frente.
Há tempos os canais diplomáticos dos dois paises vinham trabalhando em silêncio na questão
Numa tarde de temperatura polar, em Washington a chefe da unidade de sequestros do Office of Children's Issues recebeu a repórter de piauí. "Os casos de sequestro de filho por parte de um dos pais tem aumentado no mundo inteiro, anualmente", explicou Martha A. Pacheco, funcionária do Departamento de Estado há vinte anos, e alocada no setor responsável pelo cumprimento da Convenção de Haia há dezoito meses
São três as áreas analisadas para determinar se um país-signatário é ou não cumpridor do tratado: o desempenho da Autoridade Central Federal, que no Brasil está subordinada à Secretaria Especial dos Direitos Humanos, portanto ao Poder Executivo; o comportamento do Judiciário no tratamento dos casos; e o encaminhamento dado pelas forças da lei na execução das decisões judiciárias. O Brasil foi aprovado no primeiro e no terceiro itens. E assim como a Bulgária, Chile e Alemanha, levou bomba no segundo quesito, o Judiciário moroso. "Mesmo nos Estados Unidos existem juízes que nunca ouviram falar na Convenção de Haia", esclareceu por telefone Michele Bond, do Departamento de Estado, Secretária Adjunta para Assuntos de Cidadãos no Exterior.
Durante a entrevista com Martha Pacheco, o programa Dateline, com seus mais de 6 milhões de telespectadores, ainda não havia ido ao ar, e a dimensão diplomática do caso Goldman permanecia circunscrita.
No caso da secretária adjunta Bond, a conversa telefônica ocorreu quase duas semanas depois da exibição do documentário ter gerado resposta maior do que a esperada, levando a NBC a programar uma cobertura adicional do caso. No meio tempo, dois senadores democratas por Nova Jersey, Frank R. Lautenberg e Robert Menendez, haviam enviado uma carta conjunta ao "Dear President" Lula pedindo, "respeitosamente, que examine e tome as medidas apropriadas para reunir Sean com o pai". Tudo em nome dos laços fortes e amigáveis entre Brasil e Estados Unidos. O congressista Chris Smith, por seu lado, também tinha completado a prometida viagem de acompanhamento de David Goldman por gabinetes em Brasília e no primeiro encontro entre pai e filho no Rio. Ainda assim, Michele Bond foi cautelosa. "Juízes não avaliam um caso pela sua visibilidade", declarou.
No meio do vôo 0031 da Continental Airlines, que decolou na noite de 4 de fevereiro passado do aeroporto de Newark, Nova Jersey, com destino a Guarulhos, uma comissária de bordo americana tocou levemente no ombro do passageiro Goldman: "Só quero lhe dizer que nossa equipe deseja muito estar de plantão quando você trouxer o seu filho de volta", disse
No vôo de conexão para Brasília, o americano foi novamente abordado. Um jovem casal brasileiro, residente nos Estados Unidos, se apresentou:
-Desculpe, você é David?
- Sim.
-" Assistimos ao programa que conta a sua história, lá em Washington. Só queremos que saiba que também achamos errado o que está acontecendo."
A agenda da comitiva que aterrissou em Brasília naquele finalzinho de tarde foi pesada. Mal houve tempo do grupo se instalar no hotel, desfazer malas, tomar banho e se apresentar no segundo andar do Ministério da Justiça, para um encontro com a coordenadora da Autoridade Central Federal, Patrícia Lamego Soares. Formada em direito e pós-graduada em Relações Internacionais pela George Washington University, Patrícia Soares é arredia tanto à exposição de sua pessoa como a de quem recorre à Convenção de Haia para reaver os filhos. Trabalha com uma equipe enxuta, altamente focada, de cinco funcionários. Ela trata do caso Sean Goldman desde setembro de 2004.
DORRIT HARAZIM
(continua)