O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, criticou nesta quinta-feira o arcebispo de Olinda e Recife, dom José Cardoso Sobrinho, que excomungou os médicos e a família da menina de 9 anos de Alagoinha (a 230 km de Recife), que fez um aborto após ser estuprada e engravidar de gêmeos.
A garota realizou o aborto na quarta-feira (4). De acordo com o hospital que realizou o procedimento, o estado de saúde dela é bom. O padrasto da menina confessou o abuso.
"Eu acho que a posição da Igreja é extrema, radical, inadequada, me parece um contrassenso diante do que aconteceu", disse o ministro ao participar de entrevista a emissoras de rádio durante o programa "Bom Dia, Ministro" nesta quinta.
Mais crítica
Após participar de reunião com o ministro Carlos Minc (Meio Ambiente), Temporão voltou a falar sobre o caso.
"Fiquei impactado pelos dois eventos, pela agressão contra essa menina e pela reação da igreja. A postura da igreja é retórica e não tem respaldo no Judiciário. A igreja tem uma opinião, mas a saúde trabalha em defesa da vida", afirmou.
Minc também fez críticas. "Como cidadão, fiquei muito revoltado com a atitude da igreja. A igreja que deveria em tese ajudar as pessoas ainda cria essa situação. Você acaba criminalizando a vida", disse Minc.
O arcebispo disse ontem ao Diário de Pernambuco que estava preocupado com a iminência do "assassinato de duas crianças" e que tentou evitar o aborto ao longo do dia.
Na opinião do arcebispo, devemos procurar observar a lei de Deus, que está acima de qualquer lei humana. "Nós temos no Brasil leis humanas que são contra a lei de Deus, tais como o divórcio e o aborto. Quem acredita em Deus ou em outra vida procura cumprir a lei maior. O quinto mandamento diz: "Não matarás". Não podemos matar um inocente. Quem faz aborto é excomungado. A lei de Deus deve estar sempre acima da lei dos homens."
Segundo Dom José, "o princípio moral da igreja é: não se pode fazer mal com finalidade boa. Temos que cuidar da saúde dela, salvar a vida dela. O meio para salvar a vida da mãe não pode ser matar os filhos. Se fosse assim, seria permitido roubar para distribuir entre os pobres porque os fins justificariam os meios."
O secretário estadual de Desenvolvimento Social e Direitos Humanos de Pernambuco, Roldão Joaquim, caracterizou o estupro e a gravidez da menina como uma "selvageria"que precisa ser punida. "Eu não imaginava que alguém fosse possível de cometer algo como isso. Por isso, nós vamos redobrar os esforços para que o suspeito continue preso e pague pela selvageria", disse Joaquim.
Rodrigo Pellegrino, secretário-executivo de Justiça e Direitos Humanos da pasta, disse que o papel da secretaria é prestar segurança à família caso ela venha a sofrer algum tipo de ameaça.
"A pedofilia deve ser combatida de forma contundente e estruturalmente, mas nesse caso, especificamente, tem uma natureza mais cruel. Isso se trata de uma situação de barbárie, de bestialidade. O caso choca o povo de Pernambuco", disse Pellegrino.
Para a advogada Gabriela Amazonas, do Centro Dom Helder Camara, ONG que trabalha principalmente com o processo de responsabilização do agressor e acompanhamento da vítima, a possibilidade do aborto legal deve ser considerada pela família .
"É um caso gravíssimo, mas não é a primeira vez. No centro temos um caso bastante parecido com uma criança de dez anos. Com ela não foi possível fazer o aborto, mas eu acredito que nesse caso os médicos que a atendem devem trabalhar com essa possibilidade", disse.
Segundo ela, o tipo de caso mais comum de abuso infantil em Pernambuco ocorre no âmbito familiar, geralmente com crianças pequenas.
"Quando ouvimos um adolescente relatando o abuso, descobrimos que isso ocorria desde que ele era pequeno", afirma Amazonas.
Para ela, é preciso que a polícia investigue também a conivência da família com o abuso, comum nesse tipo de caso.
Revolta
O caso provocou revolta e tensão nos cerca de 14 mil moradores do pequeno município encravado no agreste de Pernambuco. "Eu acho uma coisa absurda. A cidade está chocada. Isso é muito triste", disse a balconista de farmácia Terezinha Oliveira, 60.
"É o padrasto dela! Isso é um absurdo. O comentário das ruas só é esse. O povo tentou até pegar ele para linchá-lo mesmo, aí a polícia teve que tirar ele de perto do povo", disse a dona da casa Salete de Almeida, 44, que mora a poucos metros da casa onde a vítima mora.
O caso é investigado pela Polícia Civil do município, mas é possível que ele fique detido no município vizinho por questões de segurança.
Legislação
Veja os casos em que o aborto é amparado legalmente:
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:Pena - detenção, de 2 (dois) a 6 (seis) anos.Aborto provocado pela gestante ou com seu consentimento
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhoprovoque: Pena - detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos.Aborto provocado por terceiro
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos.
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 (quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência. Forma qualificada
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevêm a morte.
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico: Aborto necessário
I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro
II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal