Pelo menos sete portugueses estão inscritos na Dignitate, que é uma clínica suíça de suicídio assistido a pessoas com doenças terminais. A informação, divulgada pelo jornal português Correio da Manhã, é de Laura Santos, professora da Universidade do Minho e estudiosa do assunto.
Ela explica a diferença entre suicídio assistido e
eutanásia: o primeiro ocorre quando o doente está plenamente consciente e toma um líquido que provoca a morte e o outro se dá quando a pessoa não tem condição de decidir sobre a abreviação ou não de sua vida.
Laura acredita que, quando morrer o primeiro português na Dignitate, o suicídio assistido entrará na pauta de discussões do país, com o apoio do PS (Partido Socialista), que é favorável à legalização desse tipo de morte. O partido pretende que os portugueses tomem uma posição por intermédio de um referendo. Mas até chegar a isso, se chegar, terá de haver um intenso debate.
Na Suíça, três clínicas promovem o suicídio assistido, mas a Dignitate é a única que aceita estrangeiros. Ela pertence a uma associação sem fins lucrativos cujo funcionamento depende de voluntários e de doações.
A entidade que representa os médicos não se opõe a esse tipo de suicídio, mas na categoria há quem tema que, em caso de legalização, haja uma banalização da medida, considerando que promover a morte custa menos do que manter a vida de quem necessita de cuidados da família, remédios e leito hospitalar.
A Bélgica tem lei de suicídio assistido desde 2002 a qual tem direito somente quem estiver submetido a sofrimento físico ou psíquico insuportável em consequência de doença ou doença incurável.
Até agora, do total de belgas que se mataram dessa forma, 80% sofriam de câncer e tinha expectativa de vida de um mês, no máximo.
por João Pereira Coutinho, da Folha de S.Paulo
A última vez que o meu pai falou comigo foi para dizer o que eu já sabia. Ele estava deitado numa cama de hospital, consciente de que o fim era certo. Uma doença, uma terrível doença neurológica que se instalara dois anos antes, roubara tudo durante esse tempo. Roubara as caminhadas. Os gestos mais simples. O gosto pela mesa. E, finalmente, as palavras. Para alguém que sempre valorizara a conversa como forma suprema de civilidade, penso que o desaparecimento das palavras foi o golpe definitivo.
Restou apenas um corpo rigorosamente pétreo e inútil, mas com uma alma enorme aprisionada dentro dele. Nesse dia quente de verão, o meu pai abriu os olhos quando me aproximei; depois, abriu-os ainda mais (uma forma de chamamento).
Quando eu encostei o meu rosto ao dele, as palavras foram ditas com esforço desumano: "Máquinas, não". Não precisava dizer. A família conhecia o seu último pedido: máquinas, não. Quando o corpo se apagasse naturalmente, ele desejava partir naturalmente. Aceitando, no fundo, a conclusão do seu ciclo vital. A doença retirara-lhe muito; não lhe retirara a dignidade, que eu via intacta no seu olhar. Ligá-lo a uma máquina seria a traição definitiva ao homem que ele foi.
A minha história não tem nada de especial. É idêntica à história de incontáveis famílias que, na solidão anônima do sofrimento, se confrontam com o dilema: que fazer quando o corpo das pessoas que amamos se encaminha para o seu limbo sem possibilidade de retorno?
A questão não pode ser confundida com a vulgar eutanásia. Porque existe uma diferença fundamental entre matar e deixar morrer.
A primeira opção sempre me pareceu uma negação da ética médica e, além disso, um crime objetivo, que nenhuma sociedade civilizada deveria tolerar. Uma negação da ética médica, desde logo, porque a medicina existe para curar, não para matar. E a impossibilidade de cura não implica, logicamente, a transposição da fronteira que nos conduz para o homicídio puro e simples. O "direito à morte", proclamado pelos defensores da eutanásia, sempre me pareceu uma forma encapotada de defender o "dever de morte" quando a vida humana não pode ser vivida na sua plenitude.
Acontece que é possível não viver na plenitude das nossas capacidades físicas e, apesar de tudo, levar existências válidas e mesmo felizes. O meu pai foi também um exemplo de que a quebra da autonomia individual não significou necessariamente o apagamento da sua validade como ser humano. Legitimar o "direito à morte" não é mais do que aceitar que algumas vidas, apenas porque marcadas pela doença, ocupam um patamar inferior de dignidade.
Repito: existe uma diferença fundamental entre matar e deixar morrer.
O meu pai morreu no dia seguinte ao nosso último encontro. Foi uma morte sem sofrimento e sem drama.
Foi, se quiserem, um pacto justo: o corpo despediu-se dele e ele despediu-se do corpo. Mas foi também a morte de um católico: como homem de fé que era, o meu pai sempre acreditou que a vida humana depende do dedo de Deus. E eu sei que, para ele, teria sido uma suprema heresia substituir esse toque divino pelo dedo transitório dos homens.